Quem se cadastrar nos sistemas da Caixa Econômica Federal para pedir o auxílio emergencial de R$ 600 concedido pelo governo a informais em meio à pandemia do coronavírus mesmo sem ter direito ao benefício poderá cometer crimes de falsidade ideológica e estelionato, afirmam advogados.
Quem receber o dinheiro sem ter direito, segundo eles, terão de ressarcir o valor à União e ainda poderá ser investigado em inquérito policial e ser denunciado pelo Ministério Público Federal.
Desde o lançamento do aplicativo, na terça-feira (7), 27 milhões de cadastros foram feitos para solicitar o valor.
Nesta quarta (8), usuários foram às redes sociais para ironizar quem baixava o app da Caixa para pedir o auxílio sem ter direito a ele. Outros pediam que quem não precisasse não fizesse a solicitação.
Pelas regras, pode pedir os R$ 600 quem não tem emprego formal, tenha renda familiar de até R$ 3.135 (ou R$ 522,50 por pessoa da família) e não recebe benefícios previdenciário, assistencial ou seguro-desemprego.
O sistema da Caixa é baseado na autodeclaração de quem pede o benefício. O cadastro está sujeito a conferência pelo governo, que cruza as informações fornecidas com bases de dados como as do CadÚnico (cadastro único para programas sociais), da Receita Federal, da Previdência Social e da Secretaria do Trabalho.
“Uma pessoa poderia inserir informações falsas que a tornaria apta a receber o pagamento, mas isso caracteriza falsidade ideológica”, diz João Rassi, sócio do escritório de advocacia Siqueira Castro. A pena para o crime varia de um a cinco anos de prisão.
Segundo ele, o delito pode ser cometido ainda que a pessoa não use documentos falsos; bastaria declarar indevidamente ter direito ao benefício para configuração do crime. Se houver uso de documentos falsos para cometer a fraude, haveria o crime de falsidade material, de acordo com Rassi.
Nesses casos, também pode haver o crime de estelionato, se o dinheiro chegar a ser depositado na conta de quem não tem direito ao valor. “O delito de falsidade é um crime para obter o benefício financeiro em detrimento da União, que é absorvido pelo de estelionato”, afirma.
Esse estelionato teria o agravante de ser cometido contra a assistência social, o que aumenta em um terço a pena, que varia de um a cinco anos de prisão, segundo Rassi.
Para o criminalista Leonardo Avelar, sócio do escritório Cascione, pode haver crime antes mesmo de o pagamento ser realizado, porque, para pedir o benefício, o solicitante precisa ler quais são os critérios e declarar que se enquadra neles.
“Quem faz isso incorre em falsidade, e a conduta pode ser caracterizada também como tentativa de estelionato. Seria pouco crível alegar na Justiça que não sabia quais são os requisitos [para receber o auxílio]”, afirma Avelar.
Os advogados dizem, ainda, que uma eventual alegação em juízo de que o valor de R$ 600 é insignificante e que, por isso, não há crime tende a ser desconsiderada pelos tribunais.
Claudio Machado, especialista em gestão de identidades e pesquisador do ITS Rio, diz que o cruzamento da base de dados do governo deve restringir a possibilidade desse tipo de fraudes.
“O aplicativo para solicitação do auxílio foi desenvolvido pela Caixa em conjunto com a Dataprev, estatal que tem acesso a bases de dados como a da Receita e a da Previdência. Se alguém chegar a pedir o benefício indevidamente, é provável que seja bloqueado”, afirma ele.
O maior problema, diz Machado, não é evitar esse tipo de fraude, mas fazer com que a população vulnerável tenha acesso ao recurso. A exigência de ter CPF em situação regular, afirma ele, é uma barreira.