O que uma cidade precisa ter para ser considerada importante para o mundo todo? A resposta para esse questionamento pode não ser objetiva, mas os patrimônios reconhecidos pela Organização das Nações Unidas (Unesco) resguardam a identidade de um povo. Um município baiano que foi um dos maiores polos econômicos no século XVIII tenta preencher os requisitos necessários para ser considerado patrimônio da humanidade. Trata-se de Cachoeira, que completa 187 anos nesta quarta-feira (13).

No dia que marca o aniversário da cidade, uma cerimônia será realizada na Igreja da Ordem Terceira do Carmo. Na ocasião, um ofício que solicita a elaboração de um dossiê para o reconhecimento de Cachoeira como patrimônio mundial será entregue ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Esse é o primeiro passo para que uma análise minuciosa dos bens culturais da cidade seja realizada e, depois, direcionado à Unesco. Se a inclusão do município como patrimônio mundial for aprovada, Cachoeira se juntará a locais como o Centro Histórico de Salvador (reconhecido em 1985) e o Centro Histórico de Olinda (PE) (1968).

A preservação de bens materiais históricos, como casarões e sobrados de séculos passados, aliada às diversas manifestações culturais que resistem ao passar dos anos justificam o reconhecimento de Cachoeira para o mundo. É o que acredita a museóloga Gislaine Calumbi, natural da cidade e que fez sua tese de mestrado sobre a preservação do patrimônio arquitetônico do município.

“Cachoeira traz representações da História oficial através do seu desenho urbano e acervo histórico, mas não só isso. A cidade traz, nos dias de hoje, representações de religiões de matriz africana que mantêm uma cultura de hábitos muito rica”, analisa Gislaine Calumbi. Os casarões coloridos e ruas formadas por paralelepípedos guardam os resquícios dos tempos áureos dos séculos XVIII e XIX, quando Cachoeira se tornou um grande pólo comercial.

Era a época em que carregamentos de fumo e açúcar produzidos nas cidades do Recôncavo baiano passavam pela cidade para ganhar o mundo. “Salvador sempre foi o centro político e comercial naquele período e Cachoeira tinha uma participação importante nisso porque representava o Recôncavo. Os produtos saíam do Porto de Cachoeira, cruzavam a Baía de Todos-os-Santos e chegavam a Salvador”, explica o historiador Rafael Dantas.

Paralelo ao desenvolvimento econômico, a cidade se tornou um importante centro político e recebeu visitas de D. Pedro I e D.Pedro II. Foi no século XIX, no entanto, que Cachoeira ficou marcada como pioneira no movimento emancipador brasileiro e se tornou Sede do Governo Provisório do Brasil durante a guerra da Independência em 1822. A importância da cidade começou a minguar a partir do século XX.

“O contexto sócio-político e comercial muda seu padrão e outras cidades começam a destacar. Salvador, por exemplo, passou por uma transformação econômica, o petróleo foi descoberto e o Recôncavo, que teve protagonismo agrário, foi perdendo força”, completa Rafael Dantas.

Mesmo assim, as manifestações culturais resistiram. Seus terreiros, o samba de roda, a Festa da Boa Morte e a Feira Literária Internacional ajudam a manter a efervescência vibrante da cultura baiana na cidade. “A preservação é um desafio constante e ser considerada patrimônio da humanidade aumenta as possibilidades de mais investimento e reconhecimento no Brasil e no mundo”, diz a museóloga Gislaine Calumbi.

Atualmente, a cidade possui 29.250 habitantes, de acordo com o último Censo, e possui 11,45% da população ocupada. O salário médio mensal dos trabalhadores formais é de 1,9 salários mínimos.

O secretário de Cultura de Cachoeira Marcelo Souza também defende a elevação da cidade à patrimônio mundial. “A nossa cidade já deveria ter sido reconhecida pela Unesco há muito tempo e o que nos faltava era essa ousadia de se inscrever. A partir dessa vontade, fomos munidos de coragem e pedimos ao Iphan que financie o dossiê por toda a história e importância de Cachoeira”, diz.

Passo a passo

Cabe aos países indicar bens culturais e naturais a serem inscritos na Lista do Patrimônio Mundial. As informações sobre cada candidatura são avaliadas pelos órgãos assessores da Convenção e sua aprovação final é feita, anualmente, pelo Comitê do Patrimônio Mundial, composto por representantes de 21 países.

De acordo com a classificação da UNESCO, o Patrimônio Cultural é composto por monumentos, grupos de edifícios ou sítios que tenham valor universal excepcional do ponto de vista histórico, estético, arqueológico, científico, etnológico ou antropológico. Incluem obras de arquitetura, escultura e pintura monumentais ou de caráter arqueológico, e, ainda, obras isoladas ou conjugadas do homem e da natureza.

Fonte:Correio