Desde março de 2020, cerca de 48 milhões de estudantes deixaram de frequentar as atividades presenciais nas mais de 180 mil escolas de ensino básico de todo o Brasil, como forma de prevenção à propagação do coronavírus. A visão nacional que os dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) – baseados no último censo escolar (2019) – não é diferente do cenário na Bahia, guardando as devidas proporções numéricas. Nesse universo de desafios impostos pela pandemia do vírus que causa a Covid-19, a discussão atual gira em torno do processo de definição de agendas e protocolos para a retomada das aulas presenciais nas redes de ensino, passados oito meses de suspensão das aulas. Órgãos públicos, governo estadual e prefeituras avaliam o momento certo do retorno e discutem as perspectivas daqui para a frente para a comunidade escolar.

O tema permeia, sobretudo, entre os estudantes e seus familiares, cada um com suas preocupações e expectativas. Juscilene Barbosa dos Santos, mãe de Laura Beatriz Santos Araújo, de 10 anos, afirma que não é a favor do retorno das aulas na atual situação em que a pandemia continua vitimando milhares de pessoas em todo o mundo. “Acho que não é o momento de voltar às aulas. Mais vale a vida, por isso prefiro que a minha filha continue tendo aula online até que se tenha a proteção segura da vacina. As crianças não conseguem manter o distanciamento dos coleguinhas, trocam lanches entre si e, por mais que estejam supervisionadas na escola, elas estão em risco de contaminação porque vão acabar se aglutinando”.

Estudiosa, dedicada e com grande desenvoltura para se expressar, Laura, aluna da 5ª série da Escola Municipal Monsenhor Barbosa, localizada em Mata de São João, concorda com a mãe. “Também não acho que seja o momento certo de voltar para a escola, acho que precisamos esperar um pouco mais, apesar da saudade dos colegas e professores. A pandemia não acabou, a situação ainda é preocupante. Nós mesmos perdemos amigos para o coronavírus e é muito triste”, opina a garota, que, desde que foram suspensas as aulas na rede municipal, em março, está focada nos estudos online, com a ajuda dos professores, que passam as tarefas escolares cotidianamente.

Calendário unificado

A decisão de retorno das aulas da rede municipal de Salvador, conforme declarações do prefeito ACM Neto, se dará de forma conjunta com o governo do estado, a partir da discussão de um calendário único e que abranja os anos letivos de 2020 e 2021, destacando que, quando for possível a retomada, considerando as condições de segurança e a indicação das autoridades de saúde, ocorrerá primeiro para a modalidade do ensino médio, depois para o fundamental e, em seguida, para o ensino infantil.

O atual prefeito deu férias coletivas aos professores da rede municipal, tal e qual fez o governador Rui Costa, e, passadas as eleições, uma nova agenda para tratar o calendário de retomada das aulas deverá ser realizada entre os dois gestores. “Temos que debater sobre o prejuízo que a suspensão das aulas traz para os alunos, em especial para os da rede pública. Então, a gente precisa prever a retomada das escolas e a recuperação do tempo perdido”, disse Neto recentemente à imprensa. A gestão do prefeito eleito, Bruno Reis, de acordo com a sua assessoria, seguirá a mesma conduta da atual gestão municipal.

“O processo de retomada das aulas presenciais vem sendo tratado com muita responsabilidade pelas equipes da prefeitura e do governo estadual, que se reunirão em breve para definir o novo calendário escolar. A nossa prioridade sempre foi salvar vidas. Precisamos garantir a segurança dos alunos e dos profissionais da área da educação, mas também é necessário superar o desafio imposto pela pandemia, estabelecendo um modelo que não prejudique mais o aprendizado das crianças, que ficaram fora das salas de aula na maior parte deste ano letivo. Dessas iniciativas dependem a implantação das propostas que apresentei à cidade na campanha, para que o ensino público continue a melhorar em Salvador, a exemplo da expansão das vagas em creches, para chegar a 55% da taxa de escolarização nessa etapa de ensino, aumentando também o índice de atendimento em tempo integral, com o objetivo de atingir o patamar de 70% na educação infantil e 25% no ensino fundamental, além do fortalecimento do programa Agente da Educação e da Educação de Jovens e Adultos (EJA). A inovação e a tecnologia serão importantes aliadas nesse processo de avanços, em que vamos implantar o Centro de Mídias e colocar em prática o conceito de STEM (Science, Technology, Engineering, Mathematics) na rede municipal, aprimorando o ensino de matemática, ciências, robótica e tecnologia”, declarou o prefeito eleito, Bruno Reis.

Cautela no interior

Pelo interior, muitas prefeituras também estão sintonizadas com as decisões do governo da Bahia, considerando que o itinerário escolar das redes municipais se estende na rede estadual. É o que considera, por exemplo, o prefeito de Mata de São João, na região metropolitana de Salvador (RMS), Marcelo Oliveira. “Não podemos ter um descompasso entre os ensinos fundamental e médio, pois o sincronismo entre essas duas modalidades é impositivo no percurso escolar, já que uma é continuidade da outra. Só vamos retomar juntamente com a rede estadual, e a nossa expectativa é retomar no dia 3 de dezembro”, disse o gestor municipal. Visando minimizar as perdas das crianças e dos jovens em razão da suspensão das aulas presenciais, a prefeitura publicou, em maio deste ano, um decreto estabelecendo o ensino remoto como válido para contabilizar como dia letivo para a educação infantil, os ensinos fundamental I e II e a Educação de Jovens e Adultos (EJA), por meio de recursos didáticos e tecnologias de informação e de comunicação.

“Mata de São João tem uma forte política pública de educação, tendo tido o melhor Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) da RMS. Temos 90% dos nossos estudantes na educação integral, provendo 70% das necessidades nutricionais desse público. Para que as famílias não sentissem tanto, além do acompanhamento pedagógico a mais de 70% dos alunos, o que os orgulha muito, distribuímos kit-alimentação para os nossos estudantes”, relatou o gestor municipal.

Em Juazeiro, no norte baiano, a prefeita eleita, Suzana Ramos, considera que, sem uma avaliação do cenário da pandemia em dezembro, é precipitado tomar uma decisão de retorno às aulas presenciais. “Sem vacina é arriscado colocar todos de volta nas escolas. É risco de vida para os profissionais de educação e a comunidade estudantil. Por isso, é preciso prudência para analisar o momento de pandemia antes da uma decisão de retorno. Sem um cenário menos arriscado, Juazeiro vai manter as aulas remotas em plataformas digitais”. diz. Suzana afirma, ainda, que tem percebido a ausência de consenso entre os profissionais das áreas de educação e saúde. “Enquanto pessoa pública e gestora, preciso abrir diálogos com estes dois setores para refletirmos sobre os impactos que poderão vir. Em princípio, me parece uma opção a retomada das aulas de forma facultativa para aqueles que se sintam seguros, incluindo estudantes, pais e professores”, pontua.

“Prejuízo incalculável”

Já o prefeito reeleito de Brumado, Eduardo Vasconcelos, faz coro com os que se posicionam contra a continuidade da suspensão das aulas. “Defendemos o retorno imediato das aulas presenciais e estamos preparados em nossas mais de 30 escolas de tempo integral. Sobre a definição de agenda e dos protocolos para a retomada das aulas presenciais ou híbridas, entendemos, desde o primeiro momento, que a suspensão das aulas seria um prejuízo incalculável. Em um país onde o Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) é um dos últimos do mundo, faria sentido retirar a criança da sala de aula se fosse por algum tempo, enquanto tentasse identificar a exata proporção dessa pandemia, como assim fizemos em 19 de março. Só que logo percebemos que a pandemia não tem a verdadeira dimensão propagada pela mídia mundial e brasileira”, considera.

Para o gestor municipal de Brumado, não procede o custo-benefício da suspensão das aulas por tempo indefinido e, na sua opinião, as gerações futuras vão julgar “severamente” as pessoas que têm o poder e estão decidindo pela manutenção das escolas fechadas. “Em Brumado, fizemos várias tentativas, mas nos deparamos com a Defensoria Pública, o Ministério Público, a Justiça do Estado batendo na mesma tecla. O nosso retorno, que seria por volta de setembro, não seria obrigatório e beneficiaria cerca de 30% das quase 10 mil crianças do ensino fundamental que não têm internet em casa e, muitas vezes, nem comida. A nossa escola de tempo integral, além de ter um ensino de qualidade, oferece quatro refeições por dia. Voltariam às aulas as crianças mais necessitadas e que estariam seguras nas escolas preparadas, dentro dos protocolos preconizados pelos que se dizem entendidos em saúde”.