Os indicadores da proliferação da dengue na Bahia em 2022 voltaram a preocupar especialistas e autoridades sanitárias. De acordo com a Secretaria Estadual de Saúde (Sesab), o estado acumulou, neste ano, um aumento de 500% nos óbitos em relação a 2021. Enquanto quatro casos de morte pela doença foram notificados no ano anterior, 24 já foram registrados do dia 2 de janeiro até 17 de dezembro de 2022 – maior número desde 2019, quando os óbitos chegaram a 40.

Um crescimento que acompanha a guinada de casos de dengue no Brasil, onde houve 980 mortes em 2022, seis a menos do que em 2015, ano do maior surto da doença no país. Em relação aos infectados no estado, houve 35.644 casos prováveis, um aumento de 44% se compararmos aos dados de 2021, quando 24.761 baianos passaram pela mesma situação.

Em Salvador, também houve aumento. Depois de 689 registros da arbovirose no ano passado, a capital baiana notificou 2.002 casos até 17 de dezembro deste ano. O aumento percentual é de 190% nos números de pessoas infectadas pela doença.

Ao ter acesso aos dados e analisar o desenvolvimento da dengue por aqui, a epidemiologista Maria Glória Teixeira, que é professora do Instituto de Saúde Coletiva (ISC) da Ufba, diz que a situação é perigosa, principalmente porque está chegando a época mais preocupante do ano em relação à arbovirose:

“Aumentou muito. Na Bahia, foi muito mais do que nos dois anos anteriores. E como estamos no início do verão, o pico das doenças transmitidas pelo Aedes aegypti, que é entre março e abril, ainda está por vir. A situação pode ficar ainda pior”, comenta.

No cenário estadual, o coeficiente de incidência (CI) acumulada é de 240,6 casos a cada 100 mil habitantes. Algumas regionais de saúde apresentam dados ainda mais elevados. Itabuna teve 798,0 casos por 100 mil habitantes; seguida por Ilhéus, com 637,6; Irecê, com 627,6; Guanambi, com 604; e Juazeiro, com 600,9.

Morador de Itabuna, Gabriel Nunes, 18 anos, vive na região com o CI mais alarmante e teve a doença no início de abril. Na época, ele começou a sentir uma febre que se estendeu por três dias e notou manchas no corpo. Ao fazer uma consulta, confirmou a doença.

“Aqui na minha rua tem uma casa abandonada, que ninguém cuida. Eu suspeito que lá é o foco, apesar de não saber se alguém mais da área pegou. Lá acumula água e lixo sempre”, denuncia.

O jovem conta ainda que, após o problema, a atenção que já existia contra o mosquito em casa foi ampliada. “Sempre tivemos esse cuidado porque minha avó é uma pessoa de mais idade. Depois que eu peguei, ficou ainda melhor a nossa maneira de lidar com lixo, água parada e qualquer ponto de foco. Tudo para não passarmos pela mesma situação novamente”, completa.

A Sesab foi procurada para falar sobre as regiões de saúde com o maior CI acumulado e sobre se há risco de epidemias de dengue nesses lugares, mas não respondeu até o fechamento desta reportagem.

Para o infectologista Matheus Todt, a situação em Itabuna, nas outras regiões e no estado como um todo é ainda mais complicada por conta dos casos que não são registrados e passam invisíveis nas esferas estadual e municipal.

”O cenário mostra-se ainda mais sombrio quando considerarmos que as arboviroses são subnotificadas. Isso pode representar um aumento expressivo dos óbitos por dengue, de sequelas por chikungunya e de malformações, como a microcefalia, pela zika”, aponta.

Subnotificação anterior

Andréa Salvador, diretora de vigilância em saúde da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), cita a subnotificação nos anos anteriores como razão do percentual de aumento expressivo de casos na capital.

“Esse ano é como 2019 e a gente caminha para uma ‘normalidade’. O estado de pandemia em 2020 e 2021 fez as pessoas buscarem a vacina e não as unidades de saúde. Esses anos não nos permitem um olhar real para a situação de casos”, avalia.

Mesmo indicando que a subnotificação dos anos anteriores infla o percentual de aumento atual, ela afirma que a situação é, de fato, preocupante e a gestão municipal está em alerta contra a dengue.

“Sim, existe um acréscimo e a gente tem intensificado as ações justamente preocupados com esse avanço do aumento de casos de arboviroses. Estamos preocupados e atentos”, diz.

Apesar da alta, ao longo do ano, apenas um óbito pela doença foi registrado na capital baiana. No estado, apenas 261 casos (0,5%) foram identificados como Dengue com Sinais de Alarme (DSA) e 52 (0,1%) como Dengue Grave (DG). Os dados, porém, apresentaram um aumento no número de mortes.

Antes de pular para 24 óbitos, a Bahia registrou 13 em 2020 e quatro no ano passado. A reportagem procurou a Sesab para saber se o cenário preocupa. Em resposta, assim como a SMS, a pasta afirmou que o período de pandemia precisa ser avaliado de forma criteriosa na comparação dos números.

“Houve uma reclusão da população e é necessário lembrar da sazonalidade do agravo com períodos já esperados do aumento de casos a cada três anos, associado a mudanças climáticas como períodos chuvosos com enchentes e desastres naturais, como o que ocorreu em 2022”, escreve por meio de nota.

O Conselho Estadual de Saúde da Bahia (CES) acompanha com temor a situação. Presidente, Marcos Sampaio falou com a reportagem e pediu iniciativas para conter a proliferação da Dengue.

“O aumento de casos e óbitos trazem uma preocupação grande. A gestão estadual deve entrar em alerta. Precisamos ter uma compreensão de que, no período do verão, é preciso ter ações conjuntas orientadas pelo estado”, afirma.

O CES indica campanhas para falar dos cuidados necessários e as medidas para não contribuir com a proliferação da doença. Isso para que a população faça sua parte e, neste verão, não aconteça um novo aumento.

Regiões críticas

As regiões Sul com 12.405 (21,6%) casos e a Sudoeste com 8.686 (15,1%) dos registros são as áreas onde a doença mais se desenvolveu. E são, consequentemente, as áreas que precisam mais das ações de combate à Dengue. A reportagem perguntou à Sesab onde ocorreram as mortes no estado para checar a relação entre o volume de casos e os óbitos, mas não foi respondida.

Maria Glória diz que a situação nessas regiões se trata de um cenário complicado porque a incidência da Dengue, na verdade, é mais comum nas regiões Norte e Nordeste do estado, onde o clima é mais favorável à proliferação. “No Sul e Sudoeste, sempre tivemos epidemias com menor magnitude. O que chama atenção é que o número de mortes está muito alto. Deve haver uma intervenção precoce nos pacientes para evitar isto”, afirma a epidemiologista.

Matheus Todt diz que é até comum ver, de tempos em tempos, um crescimento na curva de casos, mas a situação das regiões é alarmante e demanda uma atenção especial. “As arboviroses têm comportamento cíclico. A cada 4 anos vemos um aumento considerável do número de casos. Porém, um aumento tão expressivo deve soar o alerta para uma intervenção rápida por parte das autoridades”, fala o médico.

Motivos

Questionada sobre as razões do aumento nessas regiões, a Sesab listou três: “O aumento de chuvas no território. A diminuição das ações de agente de endemias municipais. Falta de consciência da população”, cita a secretaria.

A pasta, no entanto, garante a promoção de ações direcionadas para esses locais. “Reuniões com as regiões de saúde, envio de equipes técnicas, liberação de carro fumacê quando há indicação técnica, busca ativa de casos compatíveis com Dengue/Chik/Zika”, relata ao numerar as atividades de combate à arbovirose.

Em Salvador, a situação não é diferente. Desde setembro, a SMS conduz Operação Verão e a Verão Sem Mosquito, que começaram com inspeções pelas escolas públicas e privadas.

“Fazemos também incursões em locais turísticos e estaremos fazendo isso nos pontos turísticos, além dos pontos de festa como a Arena Daniela Mercury, da Boca do Rio, que sedia o Festival da Virada Salvador”, fala Andréa Salvador. Na capital baiana, 80% dos criadouros do mosquito estão no interior das residências.

Denúncias

No caso de quem tem vizinhos imprudentes, há diferentes meios de denúncia nas esferas estadual e municipal. Para todos os baianos, existe o aplicativo Caça Mosquito, que tem o objetivo de mapear zonas com focos do mosquito.

O mapeamento é feito por meio de geolocalização, utilizando o GPS do aparelho celular e o usuário não precisa divulgar a sua identidade.

Os usuários fotografam e informam locais com possíveis criadouros do mosquito e as informações coletadas são transmitidas para os órgãos municipais competentes, para que sejam tomadas as devidas providências.

Já para quem é de Salvador, basta ligar para o 156, informar que tipo de denúncia você quer fazer e ser encaminhado para uma assistência especializada no combate a proliferação do mosquito.

Veja cuidados importantes para evitar que a sua casa entre para a estatística:

  • Verificar se a caixa d’água está bem tampada;
  • Deixar as lixeiras bem tampadas;
  • Colocar areia nos pratos de plantas;
  • Recolher e acondicionar o lixo do quintal;
  • Limpar as calhas;
  • Cobrir piscinas;
  • Tapar os ralos e baixar as tampas dos vasos sanitários;
  • Limpar a bandeja externa da geladeira.

Veja cuidados individuais que podem ser tomados:

  • Usar repelentes, principalmente no verão e áreas próximas a focos do mosquito
  • Fazer uso de inseticidas
  • Instalar em casa mosquiteiros
  • Coiocar telas em portas e janelas
  • Quando possível, usar roupas de manga comprida

Fonte: Correio