Múltiplo, diverso, referência. Intelectual, ativista negro, farol. Aos 78 anos, o baiano Mateus Aleluia consegue ser o ‘rataplan’ dos tambores, o canto do pássaro e o silêncio da noite. Filho da cidade de Cachoeira, no recôncavo da Bahia, Mateus representa como poucos a figura de um griô, ser responsável pela transmissão dos conhecimentos.

Diante de tantos atributos, o cantor, compositor e pesquisador recebeu, nesta terça-feira (11), o título de Doutor Honoris Causa, concedido pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).

O título é um reconhecimento conferido a personalidades nacionais ou estrangeiras, não pertencentes ao quadro de servidores efetivos da UFRB, que se destacam pela atuação ou saber em prol das ciências, das artes, da filosofia, e das culturas com contribuição de alta relevância para o país ou humanidade.

A sessão solene com a entrega do título aconteceu nesta tarde, no Auditório da Biblioteca, no Campus da cidade de Cruz das Almas, com a presença do reitor da universidade, Fábio Josué Souza dos Santos, do vice, José Mascarenhas Bisneto, e do professor proponente da homenagem Danilo Barata, que estiveram juntos a Mateus Aleluia na mesa principal.

Mateus Aleluia é a quinta personalidade a receber a honraria, concedida pela UFRB. Antes dele, receberam o título em 2012, a sambista Dona Dalva Damiana; em 2016, o pedólogo e professor da UFRPE, Paulo Klinger recebeu a titulação. Já em 2019, o diretor e autor Marcio Meirelles recebeu a honraria. Em 2020 foi a vez de Ricardina Pereira da Silva, a Dona Cadu, ceramista e sambadora. Em 2017, a UFRB aprovou a titulação para o ex-presidente Lula, mas o título não foi entregue por conta de uma decisão judicial.

Durante a cerimônia, o filho do artista, Mateus Aleluia Filho se apresentou e cantou em homenagem ao pai. No parecer do processo do título, a comissão responsável disse que a honraria a Mateus “assevera o elo da UFRB com a ancestralidade que alicerça as relações com o território onde ela está situada”. Com momentos de muita emoção, a cerimônia foi marcado por uma celebração à ancestralidade do povo do recôncavo baiano.

De Tincoãs ao Afrocanto das Nações
Mateus Aleluia foi integrante do grupo Tincoãs, que foi destaque nacional entre os anos de 1960 e 1980. Viveu duas décadas em Angola, a partir de 1983, onde foi realizou pesquisas antropológicas e culturais. Após o retorno ao Brasil, Mateus Aleluia lançou os álbuns “Cinco Sentidos”, “Fogueira Doce” ,“Olorum” e seu mais recente trabalho “Afrocanto das Nações – Jêje”.

Afrocanto das Nações é um documento histórico e resultado de pesquisas ligadas à ancestralidade ritualística musical pan-africana. Antes de receber o título, Mateus Aleluia conversou com o g1 sobre o projeto, que diz ter surgido do desejo de registrar e reatar a herança afro musical brasileira com o continente africano.

Com o coração na África, Mateus reúne toques e cantos praticados no Brasil com os toques e cantos dos Orixás, Nkises (entidades nos candomblés de Angola e do Congo) e Voduns (entidades do candomblé Jeje) em suas terras de origem.

O artista baiano acredita ter na pesquisa um grande culto à nossa ancestralidade, a partir de uma revisita a lugares que são pontos de partida para a sociedade brasileira de hoje, especialmente para o povo negro.

“A leitura que eu faço daquilo que eu até agora vi através de entrevistas da forma moderna como é agora, entrevistas virtuais, creio que nós temos muitas coisas de lá, creio que temos! Mas penso que nos falta alguma coisa de lá também, que essa coisa de lá, quando saiu de lá há 200, 300 anos atrás e aqui chegou, já chegou aqui meio transformado, porque eu não sei, talvez a travessia do atlântico, depois de sedimentado aqui”, reflete.

“Então Cachoeira reúne tudo isso, reuniu toda aquela pequena África que chegou aqui do Golfo do Benin, chegou da África Austral através do Congo, Angola, Moçambique, então essa África toda e outras Áfricas vieram”.

Sobre o seu lugar de griô e referência para quem vem depois, Mateus diz não pensar dessa forma e faz elogios às novas gerações, de onde diz também colher sabedoria.

“Eu sou simplesmente um homem, sou simplesmente um homem, um ser humano cuja ascendência ancestral está mais que explícita que é da África, né? Eu posso dizer que eles são meus griots, porque eles é que trazem a novidade”, conta.

“De onde vem um pensamento de sabedoria venha de quem vier eu capto, eu seguro! De Brown vem muita sabedoria, de Margareth vem muita sabedoria, essa menina Iza, Luedi, Xênia todo esse nosso povo tem muita sabedoria, se vê esse menino Marcelo D2 tem muita sabedoria, B.Negão tem muita sabedoria, o Emicida é um sábio, aquele rapaz é mais novo que eu tanto tempo, mas ele tem uma percepção que poderia ser meu avô, entendeu?”

“Eu tenho a sublime missão como vocês todos de procurar agregar todas as que vocês chamam raças, que na realidade somos todos seres humanos, e é nossa missão e obrigação quebrar todas as amarras do preconceito, quebrar todas as amarras das perseguições, saber que é melhor construir do que destruir”.

Mestre e dono de ensinamentos da vida, o baiano entrou nesta quarta na UFRB como referências dos saberes e saiu doutor, destacando o orgulho do título da universidade que tem no nome o território que é sua casa, o recôncavo baiano. A honraria é um reconhecimento aos griôs, à ancestralidade negra e à genialidade de um homem. É tempo de Mateus, aleluia!

Fonte: Conteúdo G1